O direito de família é o mais humano dos direitos. No entanto, apesar disso, ele não tem sido correlacionado com os direitos humanos. Para essa omissão deve haver uma justificação. Algo dificulta enxergar como direitos humanos os direitos subjetivos relativos à família. É preciso remover esse empecilho. Mas, onde encontrá-lo?
Já que a linguagem condiciona o pensamento, é para ela que de pronto se volta a atenção. De fato, o que se exprime melhor num idioma é entendido melhor por quem o fala. A língua portuguesa fornece um exemplo clássico: o termo “saudade” traduz um sentimento que, embora universal, não é bem compreendido senão por quem fala português. Realmente, a linguagem pode incrementar ou não o pensamento de um objeto pelo sujeito.
É em face desse condicionamento que se verifica no linguajar jurídico um fato: há uma peculiar dificuldade de expressão afetando o direito de família. Noutros campos, como no direito constitucional e no direito de autor, a linguagem facilita perceber os direitos subjetivos agasalhados no direito objetivo. Fluentemente se fala em “direitos constitucionais” e “direitos autorais” para designar os direitos subjetivos. O mesmo não se passa com o direito de família. Como designar os direitos subjetivos referidos à família? Seriam “direitos de família”, “direitos familiares”, ou “direitos familiais”? Nenhuma dessas expressões soa adequada. “Direitos de família” poderia também se referir a “diversos direitos de família”, como o brasileiro, o português, o espanhol, o francês, etc. “Direitos familiares” evoca uma indesejável idéia de intimidade. E “direitos familiais” é um dizer ainda estranho ao uso comum.
Sem dúvida, falta um nome geral para os direitos reconhecidos pela legislação da família. Isso embaraça sua visualização. Mas não deve obstruir o intuito de relacioná-los com os direitos humanos. Com esse intuito, proponho chamá-los “direitos humanos familiais”. É preciso insistir em dizer “direitos familiais”, a fim de que essa locução deixe de ser estranha. Ela faz falta ao direito de família. Diga-se, pois, “direitos humanos familiais”, para designar os direitos humanos que derivam do direito fundamental à família para concretizá-lo.
Há quem separe direitos humanos de direitos fundamentais. Mas os direitos humanos e os direitos fundamentais não constituem institutos jurídicos distintos, cuja diferença específica estaria no fato de serem os direitos fundamentais a positivação dos direitos humanos na Constituição. Esse critério traz como corolário inevitável um estigma positivista: sem positivação constitucional, os direitos humanos não seriam fundamentais. O que retiraria humanidade ao fundamental e fundamentalidade ao humano. Contra isso se opõem a prática e a teoria dos direitos humanos, em cujo movimento histórico e lógico eles constituem um todo dialético, formado de direitos mais gerais, principais ou principiais, que interagem com direitos mais particulares, instrumentais ou operacionais. Ou seja, o princípio e a sua atuação se apóiam reciprocamente, sem separar-se um do outro, formando um todo fundamental para a eficácia dos direitos humanos.
Dessa maneira, conjugando direitos principiais com direitos operacionais, entra em ação um só e mesmo instituto jurídico – os direitos humanos – para um só e mesmo fim: realizar toda a essência humana em toda a existência humana, ou seja, realizar o ser humano nos indivíduos humanos, nas condições de dignidade condizentes com o momento presente da história da civilização. Em verdade, não só realizar, mas também garantir a humanidade assim realizada.
Foi no início da era contemporânea que se começou a falar em “direitos fundamentais do homem e do cidadão”. Eram os direitos humanos que despontavam. Então eles surgiram de forma absoluta para combater a monarquia absoluta. Absoluto contra absoluto. Eram direitos absolutos do indivíduo, opondo-se a poderes absolutos do rei. Para tanto, as revoluções liberais declararam direitos naturais e universais, imprescritíveis e inalienáveis, ou seja, realmente, direitos absolutos. Direitos individuais, mas abstratamente genéricos: de todo indivíduo humano, de todo o gênero humano. Tais como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à fraternidade, à felicidade, à segurança e outros igualmente abstratos e gerais.
A eles, convém chamar direitos humanos principiais, ou fundamentais principalmente ditos, porque são princípios de outros direitos mais particulares, que neles vão se fundamentar para lhes dar concretude, operacionalizando-os em situações mais determinadas. A estes direitos mais concretos e particulares, instrumentos de realização daqueles mais abstratos e gerais, convém chamar direitos humanos operacionais ou instrumentais. Estes atuam e efetivam os direitos humanos que lhes são principiais.
Sucede, assim, um constante e contínuo desdobramento dos direitos humanos em um plexo de interações, em cujo contexto o mais fundamental ganha operacionalidade na mesma proporção em que o mais operacional ganha fundamentalidade, completando-se um ao outro, integrando-se um com o outro: um dá princípio àquele que lhe dá acabamento. A operação realiza o princípio na mesma proporção em que o princípio enforma a operação. Nessa exata proporção – sem perder a humanidade do fundamental, nem a fundamentalidade do humano – os direitos humanos são ponderados numa escala de fundamentalidade, ao longo da qual tanto se vai de principiais para operacionais, quanto se volta destes para aqueles, em graus sucessivos, mas contínuos. Desse modo, nesse complexo de correlações, todo o humano continua a ser fundamental, como todo o fundamental continua a ser humano, sem separar direitos humanos de direitos fundamentais.
Há situações em que o direito operacional brilha de per si. Como que incandesce. Sua fundamentalidade se torna evidente. Por exemplo, de noite, perto do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, basta a fundamentalidade do direito ao sono para justificar a proibição de pousos e decolagens. Com efeito, a saúde e a própria vida não subsistem sem o sono. Assim, por ser operacional e inseparável dos direitos à saúde e à vida, aos quais se liga por uma necessidade natural e irresistível, o direito ao sono nem sequer precisa ser declarado como fundamental ou imposto como norma para, mesmo sem autorização específica de lei ou da Constituição, legitimar uma resolução administrativa que restrinja outros direitos, como o de propriedade, o de locomoção, o de livre empresa e outros. Para tanto, é suficiente a evidência de sua fundamentalidade como direito humano.
Outras vezes, convém declarar. Exemplo: o direito de amamentar também é operacional do direito à vida e à saúde, aos quais também se liga por uma necessidade natural, mas resistível. Como neste caso é possível resistir à necessidade natural, uma vez que a vida pode subsistir – e até com saúde – sem o aleitamento materno, o direito à amamentação vinha sendo objeto de resistência nos presídios brasileiros. O que tornou conveniente – culturalmente necessário – incluí-lo entre os direitos individuais declarados pela Constituição de 88, cujo artigo 5o, inciso L, determina que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. E, enquanto o Brasil for um país de carandirus, continuará sendo conveniente declarar na sua Constituição esse direito de amamentação. Isso não é banalizar os direitos fundamentais, mas sim garanti-los na proporção do necessário.
Dos exemplos se vê que, como os operacionais implementam os principiais, eles são igualmente fundamentais, porque sem eles os principiais seriam meros ideais, sem eficácia prática. Há um condicionamento mútuo em que o operacional e o principial interagem como fundamentais para a eficácia dos direitos humanos, o que ilide a possibilidade de separar um do outro pelo peso da fundamentalidade. Tanto é verdadeira essa inseparabilidade, que ela se verifica na prática histórica.
De fato, desde as primeiras declarações, no fim do século XVIII, nos Estados Unidos e na França, os direitos mais principiais já vieram acompanhados de outros mais operacionais. Assim, o direito à liberdade já apareceu implementado pelos direitos de manifestar opiniões pela imprensa, de promover reuniões pacíficas, de exercer livremente os cultos e até por direitos operacionais políticos, como o direito de reformar a Constituição e o de resistir à opressão. No curso do século XIX, o capitalismo selvagem, propiciado pela revolução liberal acoplada com a revolução industrial, desencadeou uma desmedida exploração das massas sociais pelo poder econômico. Premidos pela miséria gerando a revolta, os operários desencadearam uma enorme questão social.
O eclodir da questão social deixou evidente a necessidade histórica de melhorar a condição social de exercer concretamente os direitos individuais que haviam sido declarados abstratamente pelo Estado liberal, de forma tão alienada do meio social, que acabaram por constituir privilégios da burguesia, sucessivos aos privilégios feudais da nobreza, não descendo da elite para a base da sociedade. Assim, a principiar de direitos do operariado, vieram como ainda estão surgindo direitos de cunho social para proteger as categorias mais fracas em face das mais fortes, nas relações sociais que mantêm entre si.
No direito de postura liberal, todos os indivíduos são tratados igualmente pela lei, sem levar em conta sua condição social e até sua condição física. Mas, tentando resolver essa questão social propiciada pelo direito liberal, o direito social surgiu com direitos subjetivos de teor econômico, social e cultural, sucintamente ditos direitos sociais, em que os desiguais vieram a ser tratados desigualmente, na proporção em que se desigualam. Embora novos, os direitos gerados pelo Estado Social são consecutivos: visam à consecução de meios materiais para dar aos indivíduos igualdade de condições de fruir dos direitos individuais advindos do Estado Liberal.
Têm sido vistas aí duas gerações de direitos humanos: os direitos individuais e os direitos sociais. Mas facilmente se nota um fato: os direitos declarados no Estado Social são operacionais dos direitos principiais declarados no Estado Liberal. Houve uma continuação em busca de uma concreção que implica difusão. Os direitos sociais continuam direitos individuais, dos quais são conseqüentes e instrumentais, tendendo a difundi-los cada vez mais. Em vez de gerações, há uma continuidade de geração de direitos subjetivos, para dar cada vez mais eficácia a direitos individuais mediante direitos sociais tendentes a ser direitos difusos. Assim se alonga uma caudal de direitos, que hoje tende a desaguar em direitos de todos os indivíduos, gerando e assegurando a solidariedade entre eles para construir e defender a sua própria humanidade.
O fim dessa tendência despontou com a dita terceira geração: a dos direitos de solidariedade, que – embora principiada na ordem internacional – hoje atrai o todos os direitos humanos para uma universalização efetiva e real, e não meramente discursiva e ideal. Por isso é que os direitos humanos devem ser definidos teoricamente pelo que tendem a ser praticamente: poderes-deveres de todos os sujeitos em relação a todos os sujeitos sobre todos os objetos, mas na proporção razoável para edificar e preservar a humanidade. É a expansão maior a que propendem os direitos humanos: a difusão.
Dessa maneira se vem inovando – passando de absolutamente individual para sempre mais relativamente social – a função em que os direitos subjetivos são considerados no direito objetivo. Justamente para não serem negados, mas afirmados concretamente, não só a propriedade, mas todos os objetos do direito – até mesmo a liberdade – vêm sendo cada vez mais postos em função social, moderadora de sua função individual. Essa inovação social dos direitos começou na relação de trabalho. Mas se veio como se vai difundindo por outras e outras relações sociais. Hoje, com uma força redobrada pela atual Constituição e pelo novo Código Civil, alcança as relações de família.
Também no direito de família se verifica o desdobrar contínuo e conseqüente dos direitos em principais e operacionais em processo de difusão. Cada qual, a seu modo, como princípios ou como meios, os direitos familiais são fundamentais para a eficácia dos direitos humanos. Mas isso leva a perguntar: qual é no direito de família o direito humano fundamental de todos os outros direitos familiais? A resposta é: o próprio direito à família.
Ao falar de direitos humanos, logo vem à mente o direito à vida. Mas não se pode pensar na vida humana sem pensar na família. O direito à vida implica e funda o direito à família como o primeiro na ordem jurídica das entidades familiares, o mais fundamental dos direitos familiais. Mas também outros direitos humanos levam a pensar na família. Liberdade, igualdade, fraternidade, felicidade, segurança, saúde, educação e outros valores humanos básicos se relacionam com o direito à família e remetem ao lar, onde eles se concretizam em direitos familiais. Mas, a partir do lar e a principiar do direito à família, os direitos familiais só se realizam plenamente se estiverem envolvidos e sustentados pelo afeto.
Da família, o lar é o teto, cuja base é o afeto. Lar sem afeto desmorona. Por isso, os direitos ao afeto e ao lar se associam entre si, bem como se ligam aos demais direitos operacionais da família, pelos quais devem ser assegurados em seus vários aspectos: o físico, o social, o econômico, o cultural e o psíquico.
Da família, há direitos que garantem a infra-estrutura física, como o direito à moradia e ao bem de família. Há direitos que lhe promovem a estrutura social, como o direito ao parentesco, o direito de contrair casamento ou de permanecer em união estável, o direito à igualdade entre os cônjuges, o direito ao planejamento familiar, o direito ao poder familiar, o direito à obediência filial, o direito à paternidade, à maternidade e à adoção. Há direitos cujos objetos se voltam para a estrutura econômica da família, como o condomínio patrimonial, a herança, a sucessão, os alimentos, as pensões. Há direitos pertinentes à superestrutura cultural, como o direito à vivência doméstica e à convivência familiar, o direito ao apoio da família. Enfim, há direitos que zelam pela intra-estrutura psíquica da família: o direito a conhecer o pai ou a mãe, o direito ao respeito entre os familiares, e outros mais.
Eis um elenco de direitos humanos familiais. Todos, postos e dispostos em função da solidariedade humana, que começa na solidariedade interna à família. A humanidade se constrói pela força maior da solidariedade humana, em cuja origem está a solidariedade familiar, fomentada pelo afeto culminando no amor. O amor faz do indivíduo humano um ser humano. Identifica uns com os outros e gera em todos nós a solidariedade entre todos nós. Se a família é a matriz, a solidariedade é a motriz dos direitos humanos. Um homem trabalhando vinte horas não ergue um peso que vinte homens erguem trabalhando juntos – solidariamente – durante uma hora. A solidariedade gera uma força maior: a força da sociedade humana. É a única força capaz de construir com dignidade a humanidade em toda a sociedade humana, o que historicamente partiu e, portanto, eticamente deve partir do seu núcleo inicial: a família. Nesses termos, o direito à família se liga ao maior dos direitos humanos: o direito à humanidade.
Essa macrovisão situa os direitos familiais como direitos tendentes à difusão, que não podem ser negados a nenhum sujeito humano a respeito de nenhum objeto humano. Não toleram exclusão ou detrimento. Sob nenhum pretexto. Mesmo se faltar o suporte do afeto ou do lar. Congruente com essa visão íntegra, que é a de sua época, o regime jurídico instaurado pelo Constituinte de 88 exige a isonomia. Por esta, devem primar os princípios e as regras do direito de família. O que dá causa a freqüentes inconstitucionalidades.
Assim, por princípio, são inconstitucionais os tratamentos que desigualam ou descartam a filiação afetiva em função da biológica ou vice-versa. Seja porque nascidos do afeto, seja porque nascidos sem o afeto, os filhos não podem sofrer, só por isso, nenhum detrimento. Em face desse princípio são inconstitucionais, pois, as regras vertidas no fim do “caput” e no parágrafo único do art. 1601 do Código Civil de 2002, timbrando de imprescritível a ação do marido para impugnar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher e facultando aos herdeiros do impugnante a continuação da ação. Tais regras vêm premiar o pai negligente e seus herdeiros. Prestam-se ao vilipêndio da dignidade da mulher e à degradação da maternidade. Ignoram e desrespeitam a convivência familiar e comunitária. Enfim, constituem uma forma discriminação, violência, crueldade e opressão baseada na superada distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Tudo, ao contrário dos princípios que – “com absoluta prioridade” – a Constituição firma no “caput” e no § 6o do art. 227. O que leva a uma só conclusão: não pode ser imprescritível esse direito de agir, nem incondicional o de prosseguir na ação.
Também carece de constitucionalidade o inciso II do art. 1.641 do mesmo Código, ao vedar aos maiores de sessenta anos a liberdade de fixar o regime de bens. Igualmente, por ferir a isonomia, fere a Constituição o “caput” do artigo 1.790 do Código, ao limitar a sucessão dos companheiros aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável. Se a Constituição inclui a união estável entre as formas de entidade familiar que considera igualmente válidas, não é constitucional desigualar o que ela igualou. A frase “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”, no § 3º do art. 226 da Constituição, tem sido mal interpretada. “Facilitar” não quer dizer “incentivar”. Apenas significa “não dificultar”. Aí, o Constituinte apenas pôs uma cautela, a fim de evitar que o casamento seja dificultado em seqüência ou por conseqüência da união estável. Em vez de desigualar, buscou manter a igualdade entre essas duas formas de entidade familiar que admitiu. Não erigiu superioridade. Não dispôs hierarquia. Ao invés, garantiu a equivalência e, portanto, a isonomia entre duas entidades familiares igualmente freqüentes na sociedade brasileira.
Por corolário, sob pena de contradição irremediável, a garantia de isonomia se estende logicamente aos membros de ambas as entidades, não se admitindo desigualar os companheiros por união estável em cotejo com os cônjuges por casamento. Assim, também são inconstitucionais os incisos do art. 1.790 do Código, no que desfavoreçam os companheiros quanto às condições específicas em que participam da sucessão um do outro, em confronto com as condições que, para igual fim, o art. 1.829 brinda aos cônjuges. Por exemplo, se no casamento o cônjuge sobrevivente prefere aos colaterais, igual preferência deve ser dada aos companheiros por união estável. O que impõe adaptar a própria terminologia: não há mais por que chamar sucessão legítima apenas a que decorre da lei no âmbito do casamento.
Inconstitucionalidades tais e tantas, do Código de 2002 ante a Constituição de 1988, já têm sido apontadas por muitos familiaristas, como Maria Berenice Dias, Rodrigo da Cunha Pereira, Zeno Veloso, Luiz Edson Fachin, Giselda Hironaka, Francisco Cahali, Euclides de Oliveira, Paulo Lins e Silva, Paulo Luiz Netto Lôbo, José Russo e outros. Na apuração final das opiniões, uma conclusão é geral: a verdade lógica, coincidindo com a realidade histórica de que emergiu a Constituição de 88, demonstra que o seu art. 226 não fixa um “numerus clausus” para fechar a evolução do direito de família. Assim a mens legislatoris como a mens legis, conseqüentes no mesmo propósito, definiram formas de família a par do casamento, sem excluir as que não definiram. O “numerus” é “apertus”. Pelo que, sem burlar a Constituição, outras entidades familiares – mesmo quando e onde esquecidas pela lei – podem ser acolhidas pela jurisprudência e pela doutrina. Está claro na redação constitucional que a enumeração não foi taxativa e excludente.
Essa mentalidade aberta admitiu a união estável (CF art. 226, § 3o) e a família monoparental (CF art. 226, § 4o). Mas o fato de não ter enumerado não significa que tenha vedado outras entidades, como a família homoafetiva, que se lastreia no afeto familiar, mesmo sem conjugar homem com mulher, e a família anaparental, que se baseia no afeto familiar, mesmo sem contar com pai, nem mãe. De origem grega, o prefixo “ana” traduz idéia de privação. Por exemplo, “anarquia” significa “sem governo”. Esse prefixo me permitiu criar o termo “anaparental” para designar a família sem pais.
Os direitos humanos desfraldam a bandeira da universalidade, mas não de forma abstrata, porém de forma historicamente condicionada. Por isso, excluir famílias historicamente existentes é negar o direito de família no seu núcleo fundamental: o direito à família, do qual dimanam todos os direitos humanos familiais. Mas, por fim, cabe perguntar: o que são direitos humanos?
O discurso dos direitos humanos tem sido crivado de ideologia e demagogia. Não há sequer a preocupação de dizer o que são “direitos humanos”. Por isso, convém defini-los: são poderes-deveres de todos para com cada um e de cada um para com todos, visando realizar a essência humana em todas as existências humanas, concretizar o ser humano em todos os indivíduos humanos, segundo os padrões de dignidade do momento histórico.
Muitos desses poderes-deveres se exercem no seio da família. A família é o lar dos direitos humanos. Por isso, o direito fundamental à família e os seus direitos operacionais devem ser garantidos sem discriminação alguma, a fim de que o direito de família seja não só o mais humano dos direitos, como também o mais humano dos direitos humanos.
* Texto básico da palestra proferida em 3 de dezembro de 2003, no II Encontro de Direito de Família do IBDFAM/AM, realizado em Manaus, sob patrocínio da seccional do Amazonas do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Igualmente, da palestra ministrada no Curso de Direito de Família promovido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, em 25 de novembro de 2003.
** O autor é mestre, doutor e livre-docente em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde leciona nos cursos de bacharelado e de pós-graduação. É Professor Titular de Direito Constitucional do Curso de Mestrado em Direito na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP); Professor Titular de Direito Constitucional e Ciência Política na Faculdade de Direito da Universidade Guarulhos (UnG); Professor Titular de Ciência Política e Direito Constitucional da Faculdade de Direito da FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado. Vice-Presidente do Instituto PIMENTA BUENO – Associação Brasileira dos Constitucionalistas. Membro da Comissão Legislativa do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.